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Não me fale de você

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“O que gosto em vocês duas é que vocês são discretas”.
“Já vou avisando que NUNCA quero ver ela aqui em casa!”.
“Não tenho nada contra, mas não quero ver homem beijando homem não”.
“Minha filha, quero saber do seu emprego, dos seus estudos, mas não quero saber da sua vida não”.
“Desde que eu não saiba de nada, tudo bem.”

Existem várias maneiras de se negar amor a uma pessoa. Mas tenho descoberto que uma das maneiras mais cruéis de fazer isso é “disfarçar” esse não-amor, de amor.

É enfeitar a não aceitação de “aceitação”.
É fazer-se de nobre quando não há, de fato, nada de honrado em tal agir.

Existe uma problemática na palavra TOLERÂNCIA.
Ela é sinônima de suportar. De aceitar com indulgência: ou seja, é tachar de errado aquilo, mas em nome de uma “bondade extrema”, suportar.

Pensemos sobre o que é “tolerar” alguém.
Pensemos sobre o ato enjoativo e aborrecido que é SUPORTAR outro ser humano.

Isso não cabe em uma aceitação. Não é (a não ser que evolua em um acolhimento real) de maneira alguma um ato de amor. Não é colo. Não é abraço. Não é a benevolência de rir com o sorriso do outro. Não é a generosidade de aprender com a subjetividade do outro.

Eu não quero ser tolerada.
Quero ser celebrada por todas as pessoas que eu amo.
Quero que o meu sorriso ecoe e a minha felicidade se multiplique no coração dos meus.

Quero poder ser eu mesma: em minha completude.
Quero que me permitam isso: quero não: exijo que me permitam isso.

Mas, acima de tudo, quero não precisar exigir.

Quero o acolhimento verdadeiramente nobre daqueles que amam e que, por amar, acolhem. Mesmo no medo e na fragilidade daquilo que não conhecem.

Não admito ser tolerada. Não mereço isso – ninguém merece.
Não quero fazer parte dessa grande encenação de relacionamentos: aonde ninguém se conhece de fato, aonde tudo é superficial e mesquinho. E, por isso, frágil demais.

Aonde te dizem: meu amor só vai até aqui: daqui para frente não quero saber.
Aonde te demandam: enfeite-se de quem eu quero que você seja, ou não quero saber de você.
Aonde te mostram sempre o quão difícil é para eles que você seja como você é.
Aonde silêncios ensurdecedores espalham vales de abandono e distância.

Eu quero que parem para refletir que só sofrem pela não aceitação de seus familiares aqueles que queriam estar mais perto, aqueles que queriam poder amar tão mais, aqueles que desejam poder se entregar completamente, que querem ser sempre presença e colo.

Para que haja amor, é preciso que esse amor não nos silencie.
É preciso que esse amor cresça junto com os desafios que toda relação traz em si.

Relacionar-se é um ato mútuo de entrega e de troca.

O que se propõe na tolerância é que se fique distante dos olhos, é o desinteresse e o não querer saber, é que não se pratique a troca, é que não se adentre na cumplicidade que todo amor deve trazer em si.

Não querer saber é isso: é não querer.
É não desejar o conhecimento. É não querer o envolvimento.

E como amar alguém sem envolver-se?

Como se deseja um(a) filho(a) só em partes?
Como se fragmenta uma pessoa e exige aceitar apenas pedaços dela?

Eu proponho relacionamentos reais: eu proponho só ter em minha vida íntima aqueles que me sejam íntimos.

Não quero encenações.
Não quero “fazer de conta”. Quero o que é real.
Quero pessoas que, de coração, falem: QUERO SABER DE VOCÊ!

E se o real é a vontade de não saber: que não se saiba.
Que a distância de fato se faça e que somente deixemos em nossas vidas aqueles que nos querem como somos.

Você pode achar que dá para conciliar apenas metade de você mesma(a) com aqueles que só querem isso: mas a vida lhe mostrará que não dá.

À medida que você for ficando mais velho(a), seu tempo vai ficando mais precioso.
E passar tempo com alguém deve ser um ato voluntário e desejado: não uma obrigação.

Quando o Natal chegar, você vai querer estar com quem esteve com você o ano todo.
Quando os aniversários chegarem você só quererá que lhe cante “Parabéns” quem de fato lhe parabeniza sempre por você ser quem você é.
Quando os filhos(as) vierem você só vai querer estar perto de quem ame a sua família no formato exato dela: sem vergonha, sem culpa, sem apontar dedos e temer o inferno.

Aceitar é aprovação, é concordância.
Não existe aceitação pela metade.
Não existe a infame frase: “Aceito, mas não concordo”.
Não quando estamos falando de vida, de sentimentos, de famílias.

Pode-se não concordar com uma ação, com uma escolha, mas não com uma existência.

Quem não concorda com a sua existência não pode exigir sua presença: estar-se com é um ato pleno: de entrega, de existir junto, de serem cúmplices através da única forma de ser-se cúmplice: através do conhecimento.

Então, esteja perto de pessoas que ressoem com afeto: “Me fale de você!”. De você inteiro(a)!
Porque o amor necessita dessa benevolência: o amor quer saber. Sempre. E mais.
O envolvimento constrói-se no conhecimento.
E são por lágrimas e sorrisos compartilhados que todo relacionamento verdadeiro se faz.

Por isso eu, tachada de intolerante, não quero a tolerância de ninguém.
Quero poder estar junto, estando REALMENTE junto.

Quero entrar na casa dos que eu amo sem ter que deixar meu ‘eu’ verdadeiro na porta de fora.

Porque realmente acredito que o amor precisa da verdade para crescer: para sair do reino do faz de conta e virar história real.

Com lágrimas e sorrisos e abraços e dores e vitórias.
A real história daqueles que aprenderam a amar é assim: nelas você não é personagem da sua própria vida: você É sua própria vida. Por completo. Com CADA parte sua junta no todo que lhe forma.

O que posso desejar então é que os amores que ainda tem salvação percebam que é só através da entrega completa que se acha o tesouro mais incrível que um ser humano pode achar: o de carregar o seu coração, no coração de outra pessoa.

E coração é órgão inteiro: você não pode aceitar só metade de um coração.


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